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Perspectivas

As lições do sucesso eleitoral do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha

Publicado originalmente em 3 de setembro de 2024

O sucesso eleitoral do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) nas eleições estaduais da Turíngia e da Saxônia e o fracasso dos partidos que compõem o governo federal da Alemanha oferecem lições importantes para os trabalhadores de todo o mundo.

Bjoern Hoecke, líder da AfD na Turíngia, em um comício de seu partido em Erfurt, no leste da Alemanha. [AP Photo]

Em meio à enxurrada de comentários políticos e da mídia, busca-se em vão uma explicação para o fato de 80 anos após o fim da ditadura nazista um partido de extrema direita ter voltado a ser o maior partido em um parlamento estadual alemão.

Em 1º de setembro, a AfD obteve 32,8% dos votos na eleição estadual na Turíngia e 30,6% na Saxônia. Essa porcentagem é quase os 33,1% que os nazistas conquistaram na última eleição para o Reichstag, em novembro de 1932, antes de assumirem o poder. Com isso, a AfD é de longe o partido mais forte no novo parlamento estadual da Turíngia e está apenas uma cadeira atrás da União Democrata Cristã (CDU) na Saxônia.

Os partidos do governo de coalizão federal da Alemanha – os socialdemocratas (SPD), os verdes (PV) e os democratas livres (FDP) – foram severamente castigados. Juntos, eles receberam apenas 10,2% dos votos na Turíngia, menos de um terço do que a AfD. Na Saxônia, eles obtiveram um total de 13,3%.

A razão fundamental para essa derrocada política não está no caráter da AfD e de seu líder local, Björn Höcke, que pode ser descrito como um “fascista” de acordo com uma decisão judicial. Em vez disso, isso foi o produto da guinada para a direita de todos os partidos burgueses, em particular da suposta “esquerda”, que estenderam o tapete vermelho para a AfD e abriram todas as portas para esse partido de extrema direita.

Desde que o SPD, o PV e o FDP assumiram o governo federal há quase três anos, eles realizaram uma guinada sem precedentes para a direita. Todos os aspectos de sua política são dominados pela guerra e pelo rearmamento militar. Eles quase dobraram o orçamento militar e têm apoiado a Ucrânia na guerra contra a Rússia com o fornecimento de armas no valor de 23 bilhões de euros, mais do que qualquer outro país, exceto os EUA.

Eles concordaram em instalar mísseis de médio alcance dos EUA em solo alemão, armas que podem atingir Moscou e que tornariam a Alemanha o principal campo de batalha no caso de uma escalada nuclear.

Pela primeira vez desde a derrota da Wehrmacht de Hitler, os tanques alemães estão novamente entrando em solo russo. O governo alemão está trabalhando com um regime em Kiev que reprime brutalmente qualquer oposição à guerra e reverencia como heróis os colaboradores nazistas da Segunda Guerra Mundial que participaram do Holocausto.

Enquanto o governo alemão justifica cada crime de guerra israelense referindo-se à “responsabilidade alemã pelo Holocausto”, essa consideração não se aplica à Rússia, apesar de mais de 25 milhões de pessoas na União Soviética ter sido vítima da guerra de extermínio alemã, um genocídio meticulosamente planejado. Somente em Leningrado, o cerco alemão fez 1,1 milhão de vítimas – a maioria delas mulheres, crianças e civis.

Em Gaza, o governo alemão apoia incondicionalmente o genocídio dos palestinos, cujo tratamento brutal lembra os crimes dos nazistas. Qualquer pessoa que proteste contra esse fato ou mesmo o critique será caluniada, intimidada e perseguida. Manifestações e organizações pró-Palestina estão sendo banidas, enquanto ativistas contra a guerra são detidos e presos.

A coalizão entre o SPD, o PV e o FDP está transferindo impiedosamente os custos dessas políticas para a classe trabalhadora e para os mais vulneráveis da sociedade, cortando os gastos com assistência social, bem-estar infantil básico, educação, saúde, infraestrutura e meio ambiente. Enquanto os preços das ações e a riqueza dos ricos continuam a subir graças ao generoso auxílio estatal, a renda real dos trabalhadores está caindo drasticamente.

Nesse clima reacionário, a AfD prospera e é deliberadamente promovida pela elite dominante. Especialmente ao fomentar o chauvinismo contra os refugiados, a coalizão governamental e os democratas-cristãos de oposição estão tentando superar a AfD pela direita. As semanas anteriores e posteriores à eleição foram marcadas por incitação política implacável contra os refugiados.

Quando o SPD chegou ao poder em 1998, em aliança com o Partido Verde, ele destruiu as conquistas sociais das décadas anteriores com a Agenda 2010 e criou um enorme segmento de trabalhadores com baixos salários que não existia anteriormente na Alemanha.

Sob o comando do chanceler Olaf Scholz, o SPD levou esse trabalho de destruição ao seu ponto mais alto. Tudo o que restar do estado de bem-estar social e dos direitos democráticos será sacrificado para o avanço da guerra. A política de pacto social, que sempre serviu para defender o capitalismo, está finalmente arruinada.

O SPD, que há muito tempo deixou de ser um partido operário, representa os interesses das corporações, dos bancos, do aparato estatal e do imperialismo alemão, como todos os outros partidos burgueses. Ele é incapaz de fornecer uma resposta para as questões sociais urgentes que afligem milhões de pessoas. O mesmo vale para os verdes, o partido da classe média urbana rica e individualista.

É isso que permite que os demagogos de direita da AfD explorem o descontentamento social para seus próprios fins. Mas ninguém deve se deixar enganar. A AfD é um partido fascista de direita que, como os nazistas, fala em nome das frações mais brutais da oligarquia capitalista.

Apesar de sua crítica à guerra na Ucrânia, para a AfD, o militarismo do governo alemão não vai longe o suficiente. Exige gastos militares ainda maiores e a reintrodução do serviço militar obrigatório para que a Alemanha possa travar uma guerra independentemente dos EUA.

A AfD defende a restrição do direito de greve, trabalho forçado para os beneficiários de assistência social, impostos mais baixos para os ricos e um estado policial autoritário. Rejeita medidas de saúde pública contra a COVID-19, apesar de quase 200.000 pessoas terem morrido por causa do novo coronavírus somente na Alemanha. A AfD estimula a xenofobia e o racismo para dividir e enfraquecer a classe trabalhadora, minimiza os crimes dos nazistas e mantém laços estreitos com neonazistas e redes terroristas de direita.

Os sindicatos e o partido A Esquerda são os principais responsáveis pelo crescimento da AfD. Eles suprimem a luta de classes e, até o momento, impediram que a indignação com as políticas do governo alemão encontrasse uma expressão progressista e de esquerda.

Os sindicatos são um enorme aparato de co-administradores bem pagos e policiais da empresa que suprimem ou vendem qualquer ação industrial para garantir que as demissões e os cortes salariais sejam implementados sem problemas.

Na década de 1990, o partido A Esquerda e seu antecessor, o Partido do Socialismo Democrático (PDS) [sucessor do Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED), que governou Alemanha Oriental até 1990], serviram de refúgio para a indignação com as consequências da unificação alemã, que destruiu 8.000 empresas e milhões de empregos. Quando assumiram governos, esses partidos adotaram políticas tão direitistas quanto o SPD e os verdes, com os quais trabalham em estreita colaboração.

O partido A Esquerda também colapsou. Na Saxônia, teve dificuldades para voltar ao parlamento estadual, enquanto na Turíngia, onde liderou o governo por 10 anos, perdeu quase dois terços de seus votos e foi tirado do poder. O partido A Esquerda agora está fazendo todo o possível para ajudar a direitista CDU a conquistar uma maioria segura.

A influência da AfD é particularmente forte no leste da Alemanha, que nunca se recuperou da devastação industrial após a reunificação e das consequências da Agenda 2010. Mas sua influência também está se desenvolvendo no oeste do país. Em toda a Alemanha, o partido de extrema direita aparece com 16% a 19% nas pesquisas de opinião.

Essa dinâmica política fundamental pode ser observada em quase todos os países capitalistas. A incapacidade dos partidos supostamente “de esquerda” ou “democráticos” de atender às necessidades sociais e democráticas mais elementares das massas leva o eleitorado aos partidos de direita e fascistas.

Nos EUA, Donald Trump se beneficia do fato de que os democratas, que estão intimamente ligados aos sindicatos, estão defendendo os interesses de Wall Street, suprimindo greves e avançando as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio.

Em sua declaração sobre o Dia do Trabalho nos EUA, o Conselho Editorial do WSWS observou: “O Partido Democrata, um partido de Wall Street, das agências de inteligência militar e das seções privilegiadas da classe média alta, é incapaz de falar ou promover políticas que resolvam a catástrofe social enfrentada pelas massas de trabalhadores e jovens. É isso que dá a Trump e aos republicanos a capacidade de explorar a raiva social. No entanto, os trabalhadores devem ser alertados: Trump e seu movimento MAGA [Fazer os EUA Grande Novamente] são uma nova forma de fascismo no estilo americano.”

Na Itália, a ascensão de Giorgia Meloni foi precedida por três décadas de traição por parte dos sucessores do Partido Comunista. Na França, Marine Le Pen se beneficia da orientação direitista de vários governos e presidentes do Partido Socialista e das políticas falidas de Jean-Luc Mélenchon.

O perigo fascista não pode ser combatido com o apoio a esses partidos falidos. Onde quer que cheguem ao poder, intensificam as políticas de guerra e os ataques aos direitos sociais e democráticos da classe trabalhadora. Eles também não hesitarão em colaborar com os fascistas. Na CDU, já estão crescendo os apelos na Saxônia e na Turíngia para uma coalizão com a AfD. Nos EUA, os democratas estão sempre buscando um acordo bipartidário com seus “colegas republicanos”.

Todos os partidos do establishment reagiram ao resultado da eleição intensificando seus ataques aos refugiados e, assim, implementando a política da AfD. Na terça-feira, uma reunião de cúpula sobre refugiados envolvendo os partidos do governo federal e a CDU, bem como os governos estaduais, foi realizada em Berlim e discutiu o fechamento das fronteiras e o corte do auxílio aos refugiados.

O descontentamento social e a oposição ao militarismo e à guerra estão crescendo entre a ampla maioria da classe trabalhadora e da juventude. Mas eles precisam de uma clara perspectiva política.

A pobreza, o desemprego, a guerra e a ditadura só podem ser superados com a abolição do sistema capitalista e sua substituição por uma sociedade socialista em que as necessidades sociais, e não os lucros dos ricos, estejam em primeiro lugar. Sem expropriar os grandes bens e corporações e colocá-los sob controle democrático, nenhum problema poderá ser resolvido.

Esse objetivo só pode ser alcançado por meio de uma estratégia global que una a classe trabalhadora através de todas as fronteiras nacionais e a mobilize para uma luta unificada contra o sistema capitalista mundial. O Sozialistische Gleichheitspartei (Partido Socialista pela Igualdade) e suas organizações irmãs no Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) estão lutando para que essa conclusão fundamental seja tirada dos acontecimentos na Alemanha.

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