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Brasil enfrenta nova onda da pandemia em meio à falta de vacinas contra a COVID-19

Em meio a uma nova onda da pandemia de COVID-19 em todo o mundo todo, o Brasil tem assistido nas últimas semanas um aumento consistente do número de casos pelo novo coronavírus. É a segunda onda da pandemia neste ano no país.

Vacinação contra a COVID-19 na cidade de Eldorado do Sul (RS), em junho de 2024 [Photo by Marinha do Brasil / CC BY 2.0]

Segundo dados enormemente subestimados do Ministério da Saúde do governo do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT), as mortes por COVID-19 passaram de 229 em julho para 334 em agosto, enquanto os casos mais que dobraram nesse período, passando de 17.964 para 36.970. Esse aumento também foi identificado pelo Instituto Todos pela Saúde (ITpS), que viu a taxa de positividade atingir 23% em meados de agosto, um aumento de 10 pontos percentuais em um mês.

Em setembro, os casos continuam subindo. Dados divulgados na quinta-feira mostraram que o número de casos de COVID-19 aumentou de 7.180 na semana epidemiológica de 25 a 31 de agosto para 16.722 de 1˚ a 7 de setembro, enquanto o número de mortes diminuiu de 89 para 62 no mesmo período. Ao todo, o Brasil possui 38,9 milhões de casos e 713 mil mortes pela COVID-19.

Os dois últimos boletins InfoGripe, publicados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em 5 e 12 de setembro, apontaram também a tendência de alta de casos e, consequentemente, de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) a longo prazo em 17 dos 27 estados brasileiros, particularmente “devido à alta movimentação de pessoas entre o estado de São Paulo [o mais populoso do Brasil e foco da atual onda] e outras regiões do país”.

O boletim InfoGripe de 12 de setembro apontou ainda para uma maior incidência da COVID-19 entre os casos e óbitos causados por SRAG. Segundo ele, 32% dos casos e 52% das mortes por SRAG nas últimas quatro semanas epidemiológicas são decorrentes da COVID-19, números muitos maiores do que os causados por Vírus Sincicial Respiratório (9% e 4%), Influenza A (14% e 25%) e Influenza B (3% e 4%).

De acordo com o Ministério da Saúde, em 2024, foram registradas até agora cerca de 112 mil hospitalizações e 7 mil óbitos por SRAG, sendo que 25% desses óbitos foram por COVID-19.

Apesar de a COVID-19 ser uma das causas da SRAG, ela é muito mais do que uma síndrome respiratória. Há evidências crescentes do efeito debilitante que o SARS-CoV-2, o vírus que causa a COVID-19, pode causar em vários órgãos e sistemas do corpo bem depois da infecção inicial, uma condição também conhecida como COVID longa.

Em uma entrevista de meados de julho ao Intercept Brasil, Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics e especialista em imunologia, disse: “O SARS-CoV-2 é um vírus sistêmico. Ele ficou caracterizado pela doença respiratória, então a população leiga entende que é um vírus respiratório, só que o SARS-CoV-2 não é um vírus respiratório puro e simples, ele se aloja em qualquer lugar do nosso organismo.”

Isso, por sua vez, tem sido completamente ignorado pelo governo Lula. Segundo de Bolle, “Não existe nada no Brasil, nada que o MS [Ministério da Saúde] tenha feito, para atender essas pessoas [com COVID longa] adequadamente. Inclusive, falta treinamento porque os médicos do SUS [Sistema Único de Saúde] não vão necessariamente saber identificar a COVID longa.”

Com a propagação desimpedida, novas variantes do novo coronavírus têm surgido e se espalhado pelo Brasil e o mundo. Nos últimos meses, o aumento global de casos tem sido impulsionado pelas variantes KP.2 e KP.3, que foram apelidadas de variantes FLiRT em referência a mutações em locais importantes da proteína spike do SARS-CoV-2 e as tornam mais transmissíveis.

As variantes KP.2 e KP.3 descendem da variante de interesse JN.1, que foi a responsável pela onda global de casos no final de 2023 e início de 2024, inclusive no Brasil. Nos últimos meses, a variante de monitoramento LB.1, que também descende da JN.1, passou a se espalhar pelo mundo. No Brasil, ela já superou a JN.1, com dados do último trimestre (maio, junho e julho) mostrando que a LB.1 responde por 34% dos casos.

Que a COVID-19 ainda seja motivo de preocupação neste quinto ano da pandemia atesta a total falência da elite dominante mundial em oferecer uma resposta científica a um vírus cujos efeitos podem ser debilitantes mesmo em atletas de alto desempenho, como foi recentemente visto na Olimpíada de Paris.

No Brasil, o governo Lula tem aprofundado a política de “COVID para sempre” do ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro. Desde que assumiu o poder, no início do ano passado, ele abandonou as medidas mais básicas de monitoramento da pandemia, como testagem em massa e a presença do SARS-CoV-2 nas águas de esgoto. Enquanto isso, o governo Lula continua desinformando a população sobre os aspectos científicos da pandemia e realizando uma campanha de vacinação contra a COVID-19 que tem sido um fiasco completo.

Taxa de positividade para o SARS-CoV-2 (em verde) e outros vírus respiratórios no Brasil entre 19 de agosto de 2023 e 17 de agosto de 2024 [Photo: Todos pela Saúde Institute (ITpS)]

Sem alertar a população brasileira que o país vive uma nova onda da pandemia, o Ministério da Saúde do governo Lula publicou no Instagram em 7 de setembro uma série de recomendações para “se prevenir” contra a COVID-19. “A primeira e mais eficaz [ação] contra formas graves da doença e hospitalizações é a vacina”, segundo a postagem do Ministério da Saúde, seguida do “distanciamento físico em casos suspeitos”, da “higienização das mãos” e da “limpeza e desinfeção de ambientes”.

Nos comentários, usuários da rede social responderam de maneira revoltada à publicação do governo que prometeu seguir a ciência em sua suposta “reconstrução” do Brasil após os anos de destruição pelo governo Bolsonaro.

Um dos comentários denunciou: “Como que vocês não citam MÁSCARAS???? Foram as máscaras que nos salvaram antes da vacina e, agora, não são nem citadas?? Surreal e absurdo.” Outro comentário chamou a atenção para o fato de o governo Lula estar ignorando o conhecimento científico por trás da transmissão da COVID-19: “Higienizar as mãos ... Limpeza de ambiente, distanciamento físico?! O que é isso? A COVID é transmitida por aerossóis a única forma de prevenção é isso de máscaras efetivas, ambiente com filtragem de ar! É muita desinformação, estão brincando conosco!!!”

Apesar de o governo Lula seguir a estratégia da elite dominante mundial de limitar a resposta à pandemia com a vacinação da população contra a COVIID-19, mesmo ela tem sido limitada e apresentado uma série de problemas. No final do ano passado, ele descartou vacinação universal contra a COVID-19, que está sendo aplicada em crianças entre 6 meses e 5 anos, idosos e outros grupos específicos. Porém, são crescentes os relatos da mídia brasileira sobre a falta de vacinas contra a COVID-19 nos postos de saúde.

Em Minas Gerais, o segundo estado mais populoso do Brasil, o jornal O Tempo noticiou em 7 de setembro que em 52% de 211 cidades do estado não há vacina contra a COVID-19. Em São Paulo, a cidade de 12 milhões de habitantes capital do estado homônimo, reportagem do site g1 de 6 de setembro, intitulada “Pais relatam falta de vacina da COVID-19 para crianças em UBSs da capital”, mostrou que das “164 UBSs da zona sul da cidade, em 79 delas não tem imunizante para a COVID-19”.

No início de maio, o governo Lula lançou uma nova fase da campanha de vacinação contra a COVID-19, com a distribuição de cerca de 10 milhões de doses da vacina monovalente da Moderna contra a subvariante XBB.1.5 da Ômicron, a mais atualizada que ele comprou. Até agora, apenas dois milhões de doses já foram aplicadas. Expondo ainda mais sua negligência, o governo Lula anunciou no lançamento da campanha que seu objetivo era “vacinar ao menos 70 milhões de pessoas” este ano, segundo o site do Ministério da Saúde.

Nesse contexto, o uso que o governo Lula fez do Dia da Independência, em 7 de setembro, para supostamente celebrar a retomada das campanhas de vacinação, particularmente a infantil, é totalmente hipócrita. Em reportagem da Folha de S. Paulo no início de julho, a diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Ballalai, afirmou que, ao contrário do que alega o Ministério da Saúde, “Não é só uma questão de desinformação, fake news, etc. O maior fator [da hesitação vacinal] é a falta de informação. A gente também sabe como o acesso às doses é importante.”

Na entrevista ao Intercept Brasil mencionada anteriormente, Monica de Bolle reforçou a observação de Ballalai, denunciando a “duplicidade” e a “ambiguidade” de membros do governo Lula, incluindo sua ministra da saúde, Nísia Trindade, que denunciaram a resposta criminosa do governo Bolsonaro à pandemia, mas “agora estão agindo como se o vírus fosse menos importante”. Para ela, isso “contribui para que a hesitação vacinal permaneça em processo de elevação.”

Como um fiel representante da elite dominante brasileira, o governo Lula está supervisionando a destruição do sistema de saúde e outros direitos sociais conquistados pela classe trabalhadora. Como mostram sua negligência em relação à pandemia e seu recente congelamento de quase 10% do orçamento da saúde para garantir seu “novo arcabouço fiscal” e sua “meta de déficit zero” para este ano, qualquer ilusão de que ele possa ser pressionado a mudar sua trajetória direitista foi completamente explodida.

As crescentes greves que têm estourado no Brasil, particularmente em diversos setores do funcionalismo público federal contra o governo Lula, devem levantar a bandeira de uma resposta científica para acabar com a pandemia de COVID-19. Para isso, é necessário que a classe trabalhadora brasileira se una a seus irmãos e irmãs de classe em todo o mundo em uma luta comum pelo socialismo internacional.

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