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Prisão de Braga Netto expõe papel de militares no golpe de 8 de Janeiro no Brasil

O general da reserva Walter Braga Netto foi preso preventivamente no sábado passado, 14 de dezembro, por alegada obstrução de justiça na investigação sobre a tentativa de golpe de 8 de Janeiro de 2023 no Brasil. A prisão de um general quatro estrelas não tem precedentes em um país onde até mesmo os crimes sangrentos da ditadura militar apoiada pelos EUA (1964-1985) ficaram impunes, expondo ainda mais o papel crítico dos militares na trama golpista.

General Walter Braga Netto [Photo: Fernando Frazão/Agência Brasil]

Ele foi um dos militares mais próximos do ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro. Durante seu governo (2019-2022), o general Braga Netto foi ministro-chefe da Casa Civil e da Defesa. Na eleição de outubro de 2022, Bolsonaro o escolheu como candidato a vice-presidente

Sua prisão preventiva aconteceu três semanas depois de a Polícia Federal (PF) brasileira indiciar Bolsonaro, o general Braga Netto e outros 35 membros do governo Bolsonaro, 25 deles militares, pelos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa para “manter ... Bolsonaro no poder, impedindo a posse do governo legitimamente eleito” de Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores - PT).

Segundo o relatório da PF sobre a tentativa de golpe, o general Braga Netto foi uma “figura central nos atos que tinham o objetivo de subverter o regime democrático no Brasil”. É a pessoa mais citada no relatório, com 98 referências a ele.

Um dos planos mais sinistros da trama golpista ficou conhecido como “Punhal Verde e Amarelo”, que incluía o assassinato de Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin, além da “prisão/execução” do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que é desde 2019 relator de inúmeras investigações contra Bolsonaro, incluindo a da tentativa de golpe. O ministro Moraes também foi presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entre 2022 e 2024, tornando-se o alvo central dos ataques de Bolsonaro e seu entorno político contra uma suposta fraude no sistema de votação eletrônica no Brasil e no consequente resultado da eleição de 2022.

O general Braga Netto seria o coordenador de um “Gabinete Institucional de Gestão da Crise” após a “prisão/execução” do ministro Moraes para “assessorar o então presidente da República JAIR BOLSONARO na administração dos fatos decorrentes da ruptura institucional”, segundo o relatório da PF. Esse gabinete seria ocupado majoritariamente por militares, servindo como o pilar de uma ditadura.

A prisão/execução” de Moraes estava prevista para acontecer em 15 de dezembro de 2022, mas ela foi abortada, pois, segundo o relatório da PF, “o então comandante [do Exército], General FREIRE GOMES, e o Alto Comando do Exército rechaçarem o emprego da força terrestre para dar o suporte necessário ao então presidente JAIR BOLSONARO promover a ruptura institucional.”

A prisão preventiva do general Braga Netto por obstrução de justiça foi baseada em depoimentos do tenente-coronel Mauro Cid ao ministro Moraes e à Polícia Federal ocorridos em 21 de novembro e 5 de dezembro. Cid, que fechou um acordo de delação premiada após ser preso por adulterar o cartão de vacinação contra a COVID-19 de Bolsonaro, foi ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e também foi indiciado pela tentativa de golpe.

Em meados de novembro, a delação premiada de Cid foi colocada em xeque depois de a PF conseguir recuperar mensagens e documentos apagados de seus dispositivos eletrônicos que mostraram que ele tinha omitido informações sobre a papel do general Braga Netto na trama golpista.

Nos depoimentos de Cid, que fizeram a PF manter seu acordo de delação premiada, ele deu novos detalhes sobre o “Plano Verde e Amarelo” e confirmou que o general Braga Netto entrou em contato com seu pai, o também general Mauro César Lourena Cid, para saber detalhes da delação do filho.

Cid confirmou que houve uma reunião na casa de Braga Netto em 12 de novembro de 2022, logo após a derrota eleitoral de Bolsonaro, que aprovou o plano “Punhal Verde e Amarelo”. O depoimento de Cid, segundo a Polícia Federal, também apontou que “O general Braga Netto entregou o dinheiro que havia sido solicitado para a realização da operação [“Punhal Verde e Amarelo”]. O dinheiro foi entregue numa sacola de vinho. O general Braga Netto afirmou à época que o dinheiro havia sido obtido junto ao pessoal do agronegócio.”

De fato, o agronegócio do Brasil foi um dos poderosos setores da burguesia brasileira que mais apoiou o governo Bolsonaro. Depois da derrota eleitoral de Bolsonaro, ele financiou os protestos de caminhoneiros que bloquearam estradas por todo o Brasil e os acampamentos em frente a instituições militares exigindo uma intervenção militar contra uma suposta fraude eleitoral.

O relatório da Polícia Federal apontou que o general da reserva Mario Fernandes, “então Secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República era o vínculo do então governo do presidente JAIR BOLSONARO com os manifestantes golpistas, que estavam acampados em frente a instalações militares pedindo uma ruptura institucional.” O general Fernandes também é o autor do plano “Punhal Verde e Amarelo” e participou da reunião na casa de Braga Netto em 12 de novembro de 2022.

Desde os depoimentos de Cid, mais três militares foram indiciados em 11 de dezembro pela Polícia Federal pela tentativa de golpe. Entre eles está o tenente-coronel da reserva Aparecido Andrade Portela, que ajudou a arrecadar dinheiro junto ao agronegócio para o golpe de 8 de Janeiro. Ele é um amigo de Bolsonaro e suplente da senadora Tereza Cristina, que durante todo o governo Bolsonaro foi ministra da agricultura e é uma das representantes mais destacadas do agronegócio no Congresso brasileiro.

A prisão de Braga Netto fez o ministro da Defesa do governo Lula, José Múcio, repetir a narrativa fraudulenta de que o golpe de 8 de Janeiro foi o produto de militares corruptos, enquanto a instituição das Forças Armadas supostamente salvou a democracia no Brasil. Em 17 de dezembro, ele disse que apesar de os militares do Exército estarem “constrangidos”, a prisão de Braga Netto “não foi surpresa para ninguém. ... Cada um entrou nisso com seu CPF e a gente tem que preservar o CNPJ das três Forças.”

Porém, o general Braga Netto não é apenas um general corrupto. Pelo contrário, ele personifica a presença crescente dos militares na vida política do país, um processo iniciado no final dos governos do PT (2003-2016) e impulsionado com a crescente crise econômica e social da última década.

Nos governos da petista Dilma Rousseff (2011-2016), após terem derramado sangue na criminosa “operação de paz” das Nações Unidas no Haiti, as Forças Armadas começaram a reprimir a agitação social interna por meio de operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que permitem que os militares assumam o controle da segurança pública.

O governo de Michel Temer (2016-2018), sucessor de Dilma, intensificou esse uso, particularmente na greve geral de 2017 contra suas reformas trabalhista e da previdência e na greve de caminhoneiros de 2018. Enquanto isso, ele recorreu cada vez mais aos generais para ocupar posições-chave de seu governo, incluindo de maneira inédita no ministério da Defesa.

Foi no governo Temer que o general Braga Netto começou a se destacar politicamente. Como Comandante Militar do Leste (2016-2019), ele chefiou a operação de GLO no Rio de Janeiro durante as Olimpíadas de 2016 e, em fevereiro de 2018, foi nomeado interventor federal na segurança pública do Rio. As nomeações do general Joaquim Silva e Luna como ministro da Defesa, também em fevereiro de 2018, e de Braga Netto como chefe da segurança pública do Rio foram marcos inéditos na erosão do controle civil sobre os militares estabelecido após o fim da ditadura militar no Brasil.

O governo Bolsonaro intensificou esse processo, enchendo seu governo com militares, incluindo a vice-presidência com o general Hamilton Mourão. A presença e a importância dos militares no governo foi aumentando à medida que a crise econômica e social impulsionada pela pandemia de COVID-19 se intensificou. O mais notório deles foi o general Braga Netto, nomeado ministro-chefe da Casa Civil no início de 2020, quando se tornou o responsável pela resposta criminosa do governo Bolsonaro à pandemia de COVID-19.

Em abril de 2021, Braga Netto assumiu o ministério da Defesa do governo Bolsonaro em meio à segunda onda mortal da pandemia e a maior crise militar desde o fim da ditadura desencadeada pela demissão inédita por Bolsonaro de todo o comando militar para alinhar as Forças Armadas por trás de seus planos golpistas. De acordo, em julho de 2021, Braga Netto, acompanhado dos três chefes das Forças Armadas, ameaçou o Congresso brasileiro dizendo que não haveria eleições em 2022 caso não houvesse “voto impresso e auditável” – uma reivindicação de longa data de Bolsonaro em sua campanha para desacreditar o voto eletrônico no Brasil.

Logo antes de deixar o Alto Comando do Exército e o ministério da Defesa para se lançar candidato a vice-presidente ao lado de Bolsonaro, o general Braga Netto ordenou a publicação de uma ordem do dia comemorando o golpe militar de 31 de março de 1964 como um “marco histórico da evolução política brasileira” contra “os ideais antidemocráticos da intentona comunista”.

Ao longo de todo esse processo, o PT e a pseudoesquerda pintaram de maneira complacente generais reacionários como Braga Netto e Mourão como os “adultos da sala” que conteriam os impulsos golpistas de Bolsonaro. Como as crescentes revelações da Polícia Federal deixam claro, nada poderia ser mais falso.

A crise objetiva que tem levado as elites dominantes no Brasil e em todo o mundo se voltarem para a ditadura continua se intensificando. Isso coloca a urgência de uma ruptura consciente com o PT e a pseudoesquerda e a construção de uma direção revolucionária genuína na classe trabalhadora.

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