O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT) iniciou a segunda metade de seu mandato com sinais crescentes de uma crise econômica e social crescente no Brasil. Com um cenário econômico doméstico e internacional desafiador, marcado pela guerra comercial do governo americano de Donald Trump, o governo Lula está preparando o terreno para colocar o peso crescente dessa crise sobre as costas da classe trabalhadora brasileira.
No final do ano passado, o governo Lula conseguiu aprovar um pacote de austeridade que terá um amplo impacto sobre os setores mais pobres e oprimidos da classe trabalhadora. Mas as coisas não pararam por aí. Os membros de sua equipe econômica estão respondendo a um alegado “mercado aquecido” e a uma perspectiva de inflação mais alta neste ano com medidas para desacelerar a economia, cortar gastos e mais austeridade. Seguindo o mantra da ortodoxia econômica, seu objetivo é suprimir os salários por meio do aumento das taxas de juros para manter o crescimento dos lucros corporativos.
Em entrevista ao Estado de S. Paulo em 31 de janeiro, o secretário do Tesouro do governo Lula, Rogério Ceron, disse que “existe uma compreensão dentro do governo de que é necessário garantir uma desaceleração na economia para evitar um descontrole inflacionário.” Ele também disse que isso significa que haverá “uma política fiscal mais contracionista no primeiro semestre do ano” e, “se forem necessárias mais medidas fiscais para garantir os resultados buscados pelo governo [meta de déficit zero e o cumprimento do novo arcabouço fiscal, que limita os gastos sociais], elas serão adotadas.”
Para isso, uma das medidas que o governo Lula está colocando em prática é aumentar ainda mais a taxa de juros. Nos dois primeiros anos de seu governo, Lula repetidamente criticou o presidente do Banco Central (BC) indicado pelo ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro, Roberto Campo Neto, pelas altas taxas de juros no país. Em julho passado, Lula o chamou de “adversário político, ideológico e do modelo de governança que fazemos”, ou seja, que supostamente prioriza o investimento produtivo para uma alegada “reindustrialização” do país em detrimento do capital financeiro.
Porém, agora que a grande maioria dos diretores do BC e seu presidente, Gabriel Galípolo, foram nomeados pelo governo Lula, o que está se vendo é a continuidade da política monetária de Campo Neto. O ministro da fazenda, Fernando Haddad, disse em entrevista na sexta-feira passada que “O remédio para corrigir a inflação é muitas vezes você aumentar a taxa de juros para inibir a alta de preços.” No final de janeiro, o BC aumentou a taxa de juros para 13,25%, a maior taxa real do mundo, e a perspectiva é que chegue a 15% em abril.
No final de janeiro, foram divulgados alguns dados econômicos de 2024 que, sob a ótica de classes do governo Lula, justificam sua preocupação. Em 2024, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu 3,6%, enquanto neste ano o governo espera que ele cresça até 2,5%. Existe ainda a possibilidade de a economia brasileira entrar em recessão técnica (dois trimestres com queda do PIB) em 2025.
A inflação do ano passado foi de 4,8%, puxada principalmente pelo aumento de preços dos alimentos dos mais pobres. A inflação dos alimentos em domicílio foi de 8,2%, enquanto alimentos e bebidas elevaram a inflação de famílias de baixa renda em 2,3 pontos percentuais em comparação a 0,9 ponto percentual de famílias de alta renda.
Na primeira semana de fevereiro, os governos federal e estaduais aumentaram os preços dos combustíveis, com a gasolina subindo 2,4% e o diesel 4,2%. A enorme dependência da distribuição de alimentos por caminhões no Brasil certamente fará com que o aumento dos combustíveis seja repassado para os alimentos, aumentando ainda mais a perspectiva inflacionária. O governo espera uma inflação de 5,5% para este ano.
Qualquer perspectiva de que governo Lula possa minimizar esse cenário de deterioração acelerada das condições de vida, especialmente para os mais pobres, é uma ilusão. Ignorando os lucros enormes de grandes empresas e bancos no Brasil no ano passado, que explicam pelo menos em parte a alta inflação de alimentos, Lula declarou em 6 de fevereiro: “Eu não posso fazer congelamento [de preços], ... o que nós precisamos é chamar os empresários, conversar como todo o setor, e ver o que a gente pode fazer para garantir que a cesta básica do povo brasileiro caiba dentro de seu orçamento com certa flexibilidade.”
No dia seguinte, o anúncio de que o Ministério do Desenvolvimento Social aumentaria o valor do Bolsa Família, um dos maiores programas de assistência social para a população em situação de extrema pobreza, contra o aumento dos alimentos foi quase imediatamente desmentido pelo governo. Em nota, o ministro Wellington Dias foi forçado a reconhecer que “Todas as ações deste Ministério são tomadas em conformidade com as diretrizes do governo federal, especialmente no que diz respeito à responsabilidade fiscal.”
O Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que paga um salário-mínimo a idosos e pessoas com deficiência em situação de extrema pobreza, foram atacados pelo governo Lula em seu pacote de austeridade aprovado em dezembro. Com a perspectiva de redução de beneficiados tal como o governo Lula propôs e de um crescimento menor do valor desses benefícios – que dependem do aumento do salário-mínimo, outro item alvejado pelo pacote de austeridade do governo Lula –, a desigualdade social num dos países mais desiguais do mundo certamente crescerá.
Uma reportagem do início de dezembro o jornal O Globo intitulada “Miséria cai, desigualdade, não: especialistas explicam por que o Brasil não distribui renda” mostrou que “O IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas] estima que a desigualdade teria aumentado em 7,2% em 2023 sem” o Bolsa Família e o BPC. Em 2023, mesmo com o PIB crescendo 3,2%, a desigualdade social no Brasil foi a mesma do que em 2022, alcançando 0,518 segundo o índice de Gini. Ele só é superado pelos países mais pobres da África.
Ao mesmo tempo, a reportagem diz que, segundo o IBGE, o “mercado aquecido ... beneficiou principalmente os grupos com rendimentos mais elevados, já que eles dependem mais de salários. Ou seja, os ganhos do mercado de trabalho não foram apropriados pelos mais vulneráveis.” De fato, mesmo depois de nos últimos quatro anos o PIB brasileiro ter crescido, renda média dos trabalhadores no Brasil encontra-se ainda no nível pré-pandemia.
O impacto do agravamento da desigualdade social entre a força de trabalho ativa, altamente subestimado pelo governo e pela opinião pública burguesa, é brutal. Apesar de o índice de desemprego ter atingido 6,6% no ano passado, o menor desde 2012, ele desconsidera os trabalhadores subutilizados - que trabalham menos do que gostariam ou não procuram emprego -, o que faria com que a taxa de desemprego dobrasse. Nos mais estados mais pobres do Brasil, como Bahia e Pernambuco, o desemprego supera os 11%.
Ao mesmo tempo, aqueles empregados enfrentam uma situação desesperadora de exploração. A grande massa dos trabalhadores formais no Brasil encontra-se nos serviços e no comércio, setores em que predominam a assim chamada escala 6x1 (seis dias de trabalho, um de descanso) com jornadas de 44 horas semanais ou mais. Quase 40% dos trabalhadores brasileiros são informais, chegando a mais da metade nos estados empobrecidos da região Nordeste.
Diante de tal cenário para os pobres e os trabalhadores brasileiros, o governo Lula está se esforçado para pintar a vida econômica e social do Brasil de uma maneira que se choca constantemente com a realidade. Em 3 de fevereiro, no início do ano legislativo do Congresso brasileiro, ele declarou que, “Nesses dois anos, o Brasil ficou menos pobre e menos desigual, com aumento dos salários, maior renda do trabalho e distribuição de renda mais justa”.
Porém, os trabalhadores brasileiros parecem não concordar com ele. No final de janeiro, uma pesquisa de opinião da Quaest mostrou que, pela primeira vez desde o início de seu mandato, o índice de aprovação de Lula foi superado por seu índice de desaprovação. A aprovação caiu de 52% em dezembro de 2024 para 47% em janeiro de 2025 impulsionada pela dificuldade econômica da população brasileira devido aos baixos salários e à alta inflação. No Nordeste, onde o PT tem uma base eleitoral significativa principalmente entre os mais pobres, a aprovação de Lula passou de 67% em dezembro para 59%.
Após o colapso do PT nas eleições municipais de novembro passado, as medidas de austeridade de dezembro, o aumento da inflação e as promessas não cumpridas de Lula de reverter as reformas pró-corporativas implementadas pelos governos de Michel Temer (2016-2018) e Bolsonaro, há uma especulação crescente de que o governo Lula abrirá caminho para o retorno da extrema direita ao poder, como aconteceu nos Estados Unidos com a reeleição de Trump. Isso tem levado a uma crescente insatisfação dentro do PT e entre seus aliados.
Em dezembro, João Pedro Stédile, dirigente do maior movimento social brasileiro, o Movimento dos Sem Terra (MST), disse em entrevistas que “as políticas públicas [do governo Lula] não estão chegando nos mais pobres, das periferias e do campo”, e que “A reforma agrária está absolutamente parada nesses dois anos.”
Antes de o governo Lula aprovar seu pacote de austeridade no final de dezembro, o dirigente histórico do PT e ex-presidente do partido, José Genuíno, declarou à TV Fórum que medidas como essa são “o caminho da derrota política do PT. Eu acho que há um clima de apreensão na base do partido, há um clima de insatisfação. ... eu acho que estamos numa certa encruzilhada.”
Grandes batalhas de classe estão por vir diante da classe trabalhadora brasileira e latino-americana. No ano passado, praticamente todos as categorias do funcionalismo público federal realizaram greves de meses contra a alegação do governo Lula de que não há dinheiro para os serviços sociais no Brasil.
À medida que a crise econômica e social se intensificar, mais trabalhadores se chocarão contra o governo do PT, assim como com os sindicatos que ele controla e a pseudoesquerda brasileira que estão fazendo de tudo para encobrir os ataques crescentes às condições de vida dos trabalhadores e pobres no Brasil.