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Perspectivas

O “Estado de Exceção” nos EUA

Publicado originalmente em inglês em 17 de março de 2025

Em janeiro de 1933, Adolf Hitler foi nomeado chanceler da Alemanha. O horror que os nazistas desencadearam nos 12 anos subsequentes tornou seu movimento sinônimo em todo o mundo da mais indescritível brutalidade e depravação. A ditadura contrarrevolucionária de Hitler esmagou toda a oposição com prisões em massa, deportação em massa e assassinato em massa, incluindo populações inteiras de judeus, ciganos e outras minorias. A guerra de conquista fracassada dos nazistas reduziu a Europa a ruínas e deixou cicatrizes permanentes na cultura e na civilização humanas como um todo.

Guardas de prisão transferem pessoas deportadas dos Estados Unidos para o Centro de Confinamento do Terrorismo (CECOT) em Tecoluca, El Salvador, em 16 de março de 2025. [AP Photo]

A estrutura pseudolegal sob a qual esses crimes foram cometidos foi o chamado “estado de exceção” (Ausnahmezustand), um conceito introduzido pelo advogado e membro do partido nazista Carl Schmitt (1888–1985) na década de 1920.

Um jurista reacionário de origem católica e privilegiada, Schmitt reagiu com hostilidade às reformas liberais e constitucionais da era de Weimar após a Primeira Guerra Mundial, expressando um profundo ódio pelo protestantismo, “cosmopolitismo” e, especialmente, por tudo que se associava à cultura judaica.

Segundo a teoria do “estado de exceção” de Schmitt, as normas democráticas e parlamentares deixam de operar na situação “excepcional” de uma emergência nacional. Em tal emergência, a sobrevivência da ordem legal depende não de nenhuma norma, mas das decisões do Executivo, que, segundo Schmitt, “é aquele que decide sobre o estado de exceção”.

Após o incêndio do parlamento (Reichstag) em fevereiro de 1933, que os nazistas usaram para incitar a histeria anticomunista, o presidente Paul von Hindenburg emitiu o Decreto do Incêndio do Reichstag, suspendendo os direitos democráticos básicos. Um mês depois, o parlamento alemão aprovou o que é hoje conhecido como Lei Habilitante — com a assistência legal de Schmitt — que codificou os poderes de Hitler para agir unilateralmente sem limites constitucionais.

A construção do campo de concentração de Dachau começou no mesmo mês. Sob a nova estrutura, o Partido Comunista (KPD) foi banido, seus representantes eleitos foram todos presos e os nazistas desencadearam uma feroz repressão sobre toda oposição socialista e da classe trabalhadora.

Como Hitler supostamente era a expressão da “vontade do povo” e da “vontade da nação” com um mandato para salvar o país de uma emergência, Schmitt alegou que a própria lei nada mais é do que “o plano e a vontade do líder”. Esse conceito ficou conhecido como o “princípio do líder” (Führerprinzip).

Na Noite das Facas Longas, em junho de 1934, Hitler organizou o expurgo de opositores políticos dentro e fora do movimento nazista. Centenas de líderes políticos de alto escalão foram assassinados sem acusação, provas ou julgamento. Schmitt celebrou os assassinatos em um artigo de agosto de 1934, afirmando que Hitler era o “juiz supremo” que “defende a lei do abuso mais fatal se, em um momento de perigo, ele cria uma justiça imediata”.

Como os próprios nazistas demonstraram, o indefinido “estado de exceção” e o “princípio do líder” poderiam ser usados para justificar absolutamente qualquer coisa. Durante os julgamentos no Tribunal de Nurembergue, no final da guerra, o juiz da Suprema Corte dos EUA, Robert Jackson, acusou os líderes nazistas de estarem “surpresos que exista algo como a lei… Seu programa ignorou e desafiou toda a lei.”

Oitenta anos depois, as sinistras teorias de Schmitt foram revividas na forma de uma enxurrada de decretos pessoais emitidos pelo presidente dos EUA, Donald Trump, nos primeiros dois meses de sua presidência.

Imediatamente após assumir o cargo, Trump anunciou uma “emergência nacional” e afirmou poderes extraordinários de guerra para defender a “soberania” do país contra “uma invasão dos Estados Unidos pela fronteira sul.” Com base nisso, ele emitiu uma ordem exigindo que “as Forças Armadas dos EUA realizem missões direcionadas solicitadas pelo Presidente.”

Milhares de soldados atualmente em serviço já foram enviados para a fronteira sul, supostamente para defender o país de uma “invasão” de “estrangeiros” sem documentados. Invocando os mesmos argumentos legais que foram usados para justificar o internamento nipo-americanos durante a Segunda Guerra Mundial, Trump exigiu que bases militares dos EUA fossem transformadas em campos de internamento para os milhões de refugiados e imigrantes que se espera que sejam capturados em investidas militarizadas contra centros urbanos.

Em 18 de fevereiro, Trump emitiu uma ordem executiva afirmando que ele “fornecerá interpretações confiáveis da lei para o poder Executivo,” uma invocação direta do “princípio do líder.” Canais oficiais da Casa Branca transmitiram a declaração de Trump: “Aquele que salva seu país não viola nenhuma lei.” O vice-presidente JD Vance afirmou: “Juízes não podem controlar o poder legítimo do Executivo.”

A secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, declarou em 12 de fevereiro que as ordens judiciais emitidas por juízes federais contra Trump eram uma “tentativa de bloquear a vontade do povo.” Em 5 de março, quando ela estava sendo questionada por um repórter sobre tarifas planejadas, ela respondeu: “Você é o presidente? Não cabe a você!”

A sequência de ordens executivas de Trump deixa claro que não foi por acaso que Elon Musk, que financiou as campanhas eleitorais do Partido Republicano de 2024 com aproximadamente US$290 milhões, fez múltiplos gestos agressivos com a saudação de Hitler na cerimônia de posse de Trump em 20 de janeiro.

Pisoteando a fundamental separação constitucional dos poderes — atribuindo ao Congresso, e não ao presidente, o poder sobre o orçamento (“poder da bolsa”) — Trump está realizando uma onda massiva de demissões visando desfazer um século de reformas sociais, desde a regulamentação ambiental até a segurança da aposentadoria, educação pública e saúde pública. Com esse fim, ele proclamou o chamado “Departamento de Eficiência do Governo,” liderado por Musk, que agora efetivamente tomou o controle de todas as agências e departamentos do governo ao sequestrar suas finanças e sistemas computacionais.

O sequestro e desaparecimento do líder estudantil da Universidade de Columbia, Mahmoud Khalil, em 8 de março, marcaram uma nova escalada dos esforços de Trump para reverter a Constituição e estabelecer um Estado policial. Khalil é um residente legal dos EUA e não foi condenado por nenhum crime que justificaria plausivelmente sua deportação. Trump não apenas publicou incitações racistas em letras maiúsculas em canais governamentais dirigidos a Khalil, que é palestino, como também se gabou de que haveria “muitos mais por vir.”

Cada afronta às normas democráticas básicas pelo regime de Trump é cuidadosamente calculada para estabelecer um precedente, criando as bases para novas atrocidades em uma cascata interminável. Cada vez que uma ordem judicial é emitida contra Trump, ele responde com duas novas violações flagrantemente odiosas das normas democráticas básicas.

No fim de semana, Trump invocou a Lei dos Inimigos Estrangeiros, com base na fictícia declaração de que os EUA estão em “guerra” contra a gangue Tren de Aragua e o governo venezuelano, para proclamar o poder de deportar unilateralmente imigrantes sem qualquer processo judicial.

A Casa Branca desafiou diretamente uma ordem judicial que proibia o transporte de imigrantes para El Salvador, onde o agente da direita Nayib Bukele prometeu colocá-los no enorme e notoriamente brutal Centro de Confinamento do Terrorismo do governo. Trump já sugeriu a ideia de que cidadãos americanos também podem ser enviados para lá.

Em um documento apresentado no domingo, o governo Trump argumentou que as deportações “não estão sujeitas a revisão judicial” porque estão sendo realizadas como parte dos “poderes de guerra” do presidente.

Isso não é apenas uma “desobediência aos tribunais”; é uma “desobediência à Constituição.” Se o Executivo viola os direitos constitucionais de um indivíduo, os tribunais devem fornecer um remédio, um freio ao poder Executivo. Se o Executivo ignora o resultado, a Constituição se torna um pedaço de papel sem valor — não apenas para os imigrantes, mas para toda a população.

A odiosa campanha que agora está em andamento contra pessoas trans também foi claramente retirada do manual nazista. Em maio de 1933, após a aprovação da Lei Habilitante, os capangas nazistas atacaram e queimaram a biblioteca e os registros do Instituto de Pesquisa Sexual em Berlim, que havia sido pioneiro em estudos sobre pessoas gays e trans. Esse ataque marcou o início da infame onda de incêndios nazistas de livros.

Em fevereiro, Vance viajou para a Europa para promover a líder do partido neonazista alemão Alice Weidel. Em uma entrevista subsequente à Fox News, Vance declarou: “Os americanos decidem quem pode se juntar à nossa comunidade nacional,” uma escolha de palavras que, sem dúvida, visava evocar o conceito de “comunidade nacional” (Volksgemeinschaft) defendido por Schmitt, que invocou para justificar a exclusão de “não-arianos” da vida política. Revivendo a campanha nazista contra a “arte degenerada,” Trump nomeou a si mesmo presidente do Centro Kennedy em Washington D.C. e realizou um expurgo de seu conselho.

Assim como ocorreu na Alemanha na década de 1930, a tentativa de estabelecer uma ditadura nos EUA hoje é um produto social do capitalismo. O atual assassinato em massa da população de Gaza prova que as forças hoje no controle do Estado americano são capazes de um grau de brutalidade que se compara com a dos nazistas e até pior.

No entanto, ao contrário de Hitler em 1933, Trump não desfruta do apoio de um movimento fascista de massa. Pelo contrário, a tentativa que está em andamento para impor uma ditadura inevitavelmente colidirá com poderosas tradições democráticas nos EUA, enraizadas na Revolução Americana, na Guerra Civil para abolir a escravidão, no movimento dos direitos civis que destruiu as leis Jim Crow e, acima de tudo, na poderosa história de luta da classe trabalhadora americana, que é composta de imigrantes de todo o mundo.

A tentativa de impor uma ditadura é a culminação de um prolongado processo histórico que inclui a anuência dos democratas ao roubo da eleição de 2000, a afirmação de poderes ditatoriais de guerra sob a “guerra ao terror” e a normalização da tortura, comissões militares, vigilância em massa e assassinato sob sucessivos governos democratas e republicanas. Esse processo acelerou-se sob o ex-presidente Joe Biden, com os esforços para criminalizar protestos estudantis populares contra o genocídio em Gaza.

A “Operação Ditadura” de Trump expressa os interesses da oligarquia capitalista, que está determinada a alinhar a estrutura política do governo americano com a efetiva ditadura que já exerce sobre a vida social e econômica.

Os interesses dessa oligarquia são refletidos na conduta de ambos os partidos políticos dos EUA, conforme expressado na votação dos principais líderes do Partido Democrata, em 14 de março, para remover todas as diretrizes de gastos do Congresso, efetivamente dando luz verde a Musk e Trump para intensificar sua operação.

O movimento de massa que é necessário para interromper e reverter essa operação deve necessariamente expressar, acima de tudo, os interesses da classe trabalhadora em todas as fronteiras, unindo todos os elementos progressistas da sociedade em uma luta para eliminar a ameaça fascista em sua origem — o sistema capitalista.