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A suspensão do X/Twitter no Brasil e a marcha autoritária do Estado capitalista

Publicado originalmente em 7 de setembro de 2024

Em uma ação política sem precedente, o ministro do Superior Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, anunciou em 30 de agosto o fechamento do acesso à plataforma X/Twitter a todas as pessoas no Brasil. Da noite para o dia, milhões de pessoas foram bloqueadas de uma das principais fontes de informação e comunicação com uma audiência internacional.

Elon Musk com ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro em Brasília em maio de 2022 [Photo by Ministério Das Comunicações / CC BY 2.0]

A decisão foi o produto de uma disputa crescente entre o STF e o CEO fascistoide do X, Elon Musk. Em abril, o X se tornou alvo do “inquérito das milícias digitais e fake news” conduzido pelo STF, que exigiu que a plataforma removesse as contas de usuários de indivíduos acusados de envolvimento na tentativa de golpe promovida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e por figuras de alto escalão das Forças Armadas.

Após se recusar a cumprir as ordens do tribunal, em meados de agosto, o X demitiu todos os seus funcionários e encerrou suas atividades no Brasil. Dessa forma, a empresa deliberadamente removeu qualquer representação legal por meio da qual poderia ser intimada sob a legislação brasileira.

Por meio de uma postagem em sua conta oficial do X, o STF respondeu ordenando que a empresa indicasse um representante oficial. Caso contrário, os provedores de internet no país seriam obrigados a bloquear imediatamente o acesso ao site.

Sem qualquer aviso prévio, as pessoas que usam o X para acessar notícias, compartilhar informações e organizar reuniões e eventos encontraram o site inacessível. Na segunda-feira, os cinco juízes da primeira turma do STF apoiaram unanimemente a decisão de Moraes.

A suspensão imposta pelo STF é um ato de censura sem precedente desde o fim da ditadura militar de 1964-85. O X é uma das plataformas mais populares no Brasil. Segundo a Datareportal, os dados publicados pela plataforma indicam que existiam 22,1 milhões de usuários do Brasil no início de 2024.

A implicação sinistra da decisão da Suprema Corte foi apontada em um comentário do colunista do UOL Josias de Souza: “Se essas redes, como a Bluesky, começarem a hospedar em sua plataforma mensagens que a Suprema Corte considera golpistas, ofensivas ao Estado democrático de direito, então chegaremos ao mesmo ponto”. Em outras palavras, a decisão estabelece um grave precedente para a supressão de todas as redes sociais.

A suspensão do X/Twitter é apenas o mais novo estágio de uma campanha avançada do Estado brasileiro para censurar a internet. Apresentados fraudulentamente como um meio de defender a “democracia” e combater a ascensão do fascismo, os mecanismos de censura que estão sendo criados com o apoio do governo do Partido dos Trabalhadores (PT) e seus satélites de pseudoesquerda são essencialmente voltados contra a classe trabalhadora.

Nos últimos cinco anos, o STF, liderado por Moraes, tem avançado consistentemente com suas medidas restritivas contra as redes sociais, alegando que elas “foram instrumentalizadas para atacar a democracia, para atacar o Estado de direito”, conforme o ministro declarou em uma palestra recente na Universidade Mackenzie.

Moraes, reverenciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela opinião pública burguesa como o “salvador da democracia” no Brasil, possui na realidade um histórico consistentemente reacionário ligado ao aparato repressivo do Estado.

Entre 2015 e 2016, Moraes ocupou o cargo de secretário de segurança pública de São Paulo na gestão do atual vice-presidente Geraldo Alckmin, então do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), supervisionando as ações assassinas da polícia militar do estado e o recrudescimento da repressão aos protestos sociais.

O perfil autoritário de Moraes levou à sua posse como ministro da Justiça em 2016, quando o vice-presidente Michel Temer assumiu o poder após o impeachment de Dilma Rousseff, do PT, com base em acusações forjadas. No ano seguinte, Moraes foi nomeado por Temer para o Supremo Tribunal Federal.

Em 2019, Moraes se tornou o relator do infame “inquérito das fake news” do STF, uma investigação conduzida a portas fechadas e marcada pelo uso de métodos inconstitucionais. Ao longo do governo Bolsonaro e das explosivas eleições presidenciais de 2022, o inquérito do STF e a figura de Moraes assumiram uma crescente centralidade na arena política brasileira.

Os mesmos setores da burguesia que se uniram em torno da candidatura de Lula confiaram imensos poderes nas mãos de Moraes. Embora tenham sido inicialmente empregadas contra os aliados políticos de Bolsonaro, que planejaram ativamente um golpe de Estado, as medidas autoritárias de Moraes foram muito além.

Indivíduos e grupos políticos foram alvos do “inquérito das fake news” simplesmente por expressarem críticas ao Estado brasileiro, o que foi absurdamente equiparado a uma conspiração golpista. Em junho de 2022, Moraes ordenou o bloqueio de todas as contas do Partido da Causa Operária (PCO) após o partido ter criticado a natureza antidemocrática do STF.

A escalada autoritária do Estado brasileiro sob a figura de Moraes não foi apenas aceita, mas fervorosamente incentivada pela pseudoesquerda, particularmente pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Em 2018, durante as eleições em que Bolsonaro saiu vitorioso, o PSOL exigiu que o STF bloqueasse o WhatsApp (o aplicativo de mensagens mais usado no Brasil) sob o pretexto de conter a disseminação de “fake news”.

Ao culpar as redes sociais pela ascensão do fascismo, a pseudoesquerda encobre a responsabilidade pelas suas próprias políticas traiçoeiras, bem como as raízes fundamentais desse processo na crise do sistema capitalista. Essa narrativa reacionária e fraudulenta foi ampliada após a tentativa de golpe fascista de 8 de janeiro de 2023.

Esses mesmos argumentos marcaram a conduta da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) liderada pelo PT e pelo PSOL sobre os eventos de 8 de janeiro em Brasília. O relatório da comissão, apesar de concluir que o ex-presidente e uma parte significativa do comando militar usaram o aparato de Estado para preparar uma violenta abolição do sistema democrático, atribuiu a responsabilidade principal ao “estado do ecossistema digital brasileiro”.

A recente suspensão do X/Twitter também foi comemorada por essas forças de pseudoesquerda. O líder mais proeminente do PSOL e atual candidato a prefeito de São Paulo, Guilherme Boulos, declarou: “O Brasil não é terra sem lei. Eu fui a favor, desde o princípio, como deputado federal, do PL das Fake News”. Boulos acrescentou: “Uma grande corporação, uma big tech, ainda mais uma presidida por um alucinado de extrema-direita como Elon Musk, não está acima das leis brasileiras. A lei foi cumprida”.

O presidente Lula fez comentários semelhantes, dizendo: “Esse cidadão é um cidadão americano, ele não é um cidadão do mundo. Ele não pode ficar ofendendo os presidentes, ofendendo os deputados, ofendendo o Senado, ofendendo a Câmara, ofendendo a Suprema Corte”. Ele concluiu: “Esse país não é um país que tem uma sociedade com complexo de vira-lata. Esse cara tem que aceitar as regras desse país”.

As intervenções de Musk na política de diferentes países, usando sua fortuna e o controle sobre poderosos meios de comunicação, são, na verdade, absolutamente reacionárias.

Defendendo os interesses da oligarquia financeira e do imperialismo americano, Musk tem promovido sistematicamente o crescimento de forças políticas de extrema direita em todo o mundo, inclusive na América Latina, estabelecendo relações estreitas com pessoas como Bolsonaro e o atual presidente fascista da Argentina, Javier Milei. Ele não hesitou em censurar a oposição política no X, como no caso notório dos defensores da Palestina.

Porém, enquanto Lula e Boulos atacam Musk com argumentos reacionários baseados na “soberania nacional” e na “lei e ordem”, eles obscurecem o verdadeiro fator antidemocrático das ações políticas do bilionário: o fato de que, sob o capitalismo, as ferramentas de comunicação fundamentais da sociedade internacional estão sob o controle de seus proprietários individuais.

A defesa do Estado capitalista em decomposição e de suas ações autoritárias por parte de Lula e da pseudoesquerda é o que dá à extrema direita a oportunidade de se apresentar fraudulentamente como defensora da “liberdade de expressão”.

O seu papel na facilitação do crescimento das forças fascistas foi exposto de forma clara nesse último episódio. Embora o X estivesse sob sanções do STF desde abril, o momento de sua suspensão foi em grande parte escolhido pelo próprio Musk (fechando os escritórios da empresa) com base em cálculos políticos. Suas repercussões estão sendo usadas diretamente para promover uma manifestação convocada por Bolsonaro para 7 de setembro, o Dia da Independência do Brasil, sob a bandeira da defesa da “liberdade de expressão”.

Os desdobramentos políticos no Brasil justificam fortemente a perspectiva apresentada pelo World Socialist Web Site em sua declaração de Ano Novo de 2024:

Toda a conversa sobre defender a democracia e combater o fascismo, ignorando a questão fundamental de classe e poder econômico – e, portanto, reconhecendo a necessidade de mobilização da classe trabalhadora em escala global para a derrubada do capitalismo – é demagogia cínica e politicamente impotente.

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