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Perspectivas

O plano de Trump para tomar os minerais da Ucrânia e o crescente conflito entre EUA e União Europeia

Publicado originalmente em 18 de fevereiro de 2025

Os ministros das Relações Exteriores dos EUA e da Rússia se reuniram na Arábia Saudita na terça-feira para discutir a guerra na Ucrânia e o restabelecimento das relações bilaterais. Essas reuniões nada têm a ver com alcançar a “paz”. Elas são, pelo contrário, mais um passo no conflito global que ameaça a humanidade com a aniquilação nuclear.

Presidente Donald Trump se reúne com presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky na Trump Tower em 27 de setembro de 2024 em Nova York. [AP Photo/Julia Demaree Nikhinson]

Na semana passada, a administração Trump expôs o que está verdadeiramente sendo disputado quando enviou a Kiev o secretário do Tesouro, Scott Bessent, para propor um acordo ao presidente ucraniano Volodymyr Zelensky: em troca do apoio passado e futuro dos EUA, a Ucrânia cederia metade dos seus depósitos de terras raras, lítio e titânio – no valor de meio trilhão de dólares – aos EUA. Como a maioria desses recursos se encontra em território ocupado pela Rússia, Trump precisa de um acordo com Moscou.

A concretização de tal acordo permanece incerta. Washington tem repetidamente combinado ofertas com ameaças de escalada militar e de sanções econômicas. Trump também está pressionando Putin para obter concessões no Oriente Médio, onde os EUA estão se preparando para expulsar os palestinos de Gaza e lançar um ataque contra o Irã, ao mesmo tempo que procuram enfraquecer a aliança da Rússia com a China, o alvo central do esforço de guerra dos EUA. Conforme o secretário da Defesa, Pete Hegseth, declarou na semana passada, “os EUA estão dando prioridade à dissuasão da guerra com a China no Pacífico”.

Zelensky, que inicialmente propôs o acordo sobre os recursos, hesitou em aceitar a exigência mafiosa de Trump, uma vez que isso reduziria efetivamente a Ucrânia a uma colônia americana. Ele também conta com o apoio das potências imperialistas europeias, que estão indignadas com a tentativa de Trump de fazer um acordo com Putin às suas custas.

“Segundo meus cálculos, já fornecemos à Ucrânia mais de 134 mil milhões de euros”, disse à Reuters a chefe da política externa da União Europeia, Kaja Kallas. “Isso faz de nós o maior doador internacional”. Kallas falou sem rodeios o que pensa sobre a trajetória de Trump: “Não pode ser que a Rússia fique com os territórios ucranianos, os EUA com os recursos naturais e a Europa pague a conta da manutenção da paz”, disse ela ao programa de notícias da Alemanha, Tagesschau. Ela acrescentou: “Isso não funciona. Temos de mobilizar a nossa força agora”.

Essa disputa – e não as preocupações com a “democracia” ou os “valores ocidentais” – é a raiz da crescente fratura entre os EUA e os seus aliados europeus. Sob Biden, os EUA e a Europa coordenaram a sua guerra contra a Rússia. Agora, as potências europeias temem ser enganadas por Trump.

As recentes ações da administração Trump deixaram claro o seu desprezo pelos seus “aliados” europeus. Primeiro, o secretário da Defesa Hegseth questionou os compromissos de segurança dos EUA com a Europa e propôs um acordo de paz com a Rússia que abandonaria as exigências anteriores da OTAN: restaurar as fronteiras anteriores à guerra e conceder à Ucrânia a adesão à OTAN.

Em seguida, Trump fez uma ligação de 90 minutos com Putin sem informar seus aliados europeus. Os dois discutiram visitas recíprocas a Washington e Moscou e a readmissão da Rússia no G7. Isso levou às reuniões entre os EUA e a Rússia na Arábia Saudita – excluindo a Ucrânia e os europeus.

Na conferência de segurança de Munique, o vice-presidente JD Vance aumentou o confronto com um discurso incendiário contra a União Europeia. “A ameaça que mais me preocupa em relação à Europa não é a Rússia”, declarou Vance. “O que me preocupa é a ameaça interna.” Ele acusou os governos europeus de suprimir a liberdade de expressão e de ter medo de seu próprio povo porque supostamente estavam construindo um “cordão sanitário” contra partidos de extrema direita, como a Alternativa para a Alemanha (AfD). Em seguida, ele se reuniu pessoalmente com a candidata a chanceler da AfD, Alice Weidel.

Isso enfureceu a mídia europeia. O Der Spiegel declarou que a conferência de Munique sinalizou “o fim da ordem geopolítica estabelecida após a Segunda Guerra Mundial”. As manchetes do The Guardian, Die Zeit e The Economist descreveram as políticas de Trump como uma “agressão” e um “ataque” à Europa e acusaram os EUA de provocar o “colapso da aliança transatlântica”.

As principais potências europeias responderam convocando às pressas uma cúpula informal para discutir “os desafios à segurança na Europa”. A reunião, realizada ontem à noite em Paris, contou com a presença dos chefes de governo da França, Alemanha, Reino Unido, Itália, Polônia, Espanha, Holanda e Dinamarca, além do presidente do Conselho da União Europeia (UE), António Costa, da presidente da Comissão da UE, Ursula von der Leyen, e do secretário-geral da OTAN, Mark Rutte.

A resposta europeia a Trump, não menos reacionária do que suas próprias políticas fascistas, rearmar, rearmar e rearmar ainda mais. A resposta constante de que a Europa investiu pouco em suas forças armadas e agora precisa compensar essa “deficiência” atingiu o auge. Fala-se em aumentar os gastos militares para 3 a 5% do PIB, efetivamente dobrando ou triplicando os atuais orçamentos de defesa.

Essas grandes quantias só podem ser obtidas por meio de ataques brutais à classe trabalhadora, o que exige a supressão dos direitos democráticos e o estabelecimento de um governo autoritário.

Em sua entrevista ao Tagesschau, a chefe de Política Externa da UE, Kallas, defendeu explicitamente a escalada da guerra na Ucrânia para garantir a derrota militar da Rússia – um objetivo que exigiria a intervenção massiva da OTAN dado o esgotamento do exército ucraniano. Kallas afirmou: “Para um país entrar no caminho certo, ele precisa perder sua última guerra colonial”. Ele acrescentou: “A Rússia não tem sido derrotada em sua última guerra colonial, portanto, cabe a nós garantir que isso aconteça. Não podemos voltar a fazer negócios como de costume com eles antes disso”.

O primeiro-ministro britânico Keir Starmer, que irá se reunir com Trump em breve, já se ofereceu para enviar tropas britânicas para a Ucrânia como parte de um suposto acordo de “paz”. O presidente francês Emmanuel Macron fez uma proposta semelhante meses atrás. No Daily Telegraph, Starmer também exigiu que os países europeus “aumentem nossos gastos com defesa e assumam um papel maior na OTAN”. Ele se vê como um elo entre os EUA e a Europa.

A razão mais profunda para os acentuados conflitos entre as potências transatlânticas é a profunda crise do capitalismo mundial. A OTAN foi fundada em 1949 para conter as tensões entre as potências europeias – tensões que levaram a duas guerras mundiais – e para forjar uma frente comum com os EUA contra a União Soviética durante a Guerra Fria. Embora nunca tenha estado livre de rivalidades internas, a OTAN conseguiu evitar, em grande parte, o conflito militar direto entre seus membros.

Após a dissolução da União Soviética, a OTAN e seus Estados-membros travaram uma série de guerras imperialistas, incluindo no Iraque, Iugoslávia, Afeganistão, Líbia e Síria. Porém, agora, a própria OTAN está se desintegrando. A chamada “ordem baseada em regras” está entrando em colapso, dando lugar à lei da selva e ao uso da força nua e crua.

O governo Trump está reivindicando o Panamá, a Groenlândia e o Canadá e não está evitando ameaças do uso da força. Os europeus estão reagindo, tornando-se “aptos para a guerra”.

Vladimir Lenin explicou esse processo em sua análise clássica do imperialismo, que ele escreveu durante a Primeira Guerra Mundial:

As alianças “interimperialistas” ou “ultraimperialistas”, independentemente da forma que possam assumir, seja de uma coalizão imperialista contra outra ou de uma aliança geral que englobe todas as potências imperialistas, inevitavelmente não passam de uma “trégua” nos períodos entre guerras. As alianças pacíficas preparam o terreno para as guerras e, por sua vez, surgem das guerras; uma condiciona a outra, produzindo formas alternadas de luta pacífica e não pacífica em uma mesma base de conexões e relações imperialistas na economia e na política mundiais.

Essa dinâmica está acontecendo hoje dentro da própria OTAN. O acirramento dos antagonismos transatlânticos, a virada global em direção à guerra comercial e à militarização e os ataques associados às condições e aos direitos democráticos da classe trabalhadora estão preparando enormes lutas de classe.

Essa é a base objetiva para a luta contra a guerra. Somente uma ofensiva da classe trabalhadora internacional, combinando a luta contra a exploração e o militarismo com a luta contra sua causa, o capitalismo, pode deter a loucura da guerra.